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A saga de um relacionamento à distância

E se o sonho de morar em Toronto separar você do seu grande amor? Inúmeros casais encaram o desafio de viver um relacionamento à distância. Mas por que ela, a distância, acaba com tantos relacionamentos? Quem é o culpado pelo término da relação? Há algo que se possa fazer para evitar que isso aconteça? Bruno Vompean se arrisca a responder.

Ao longo dos anos, conheci muitos brasileiros que tentaram preservar um relacionamento à distância enquanto estudavam, trabalhavam ou simplesmente viajavam no exterior. Digo “tentaram” porque, na maioria das vezes, o relacionamento acabava, e quando não acabava, se tornava árduo e exigia esforço. Além do sentimento de alienação e absurdidade causada pela saudade, quem tem um relacionamento à distância tem de lidar quase que diariamente com o ceticismo patológico de quem fica sabendo sobre o status de sua relação. “Isso não dá certo,” dizem; “esqueça e aproveite sua vida,” aconselham. Este é inclusive um fenômeno transcultural, e se disser a um canadense, por exemplo, que está em um long distance relationship, ele te dirá a mesma coisa, te dará o mesmo conselho.

Por esses motivos podemos falar da “saga” de relacionamentos à distância, pois além de ser um conceito frequentemente discutido de forma inverídica, já que é estereotipado com falsas qualidades, tem geralmente começo, meio e fim bem demarcados. O período de duração de cada uma dessas etapas varia de caso em caso. Relacionamentos de três anos, por exemplo, podem acabar com apenas dois meses de distância, sendo que cada etapa pode durar uns dias, umas semanas, um mês ou mais. Por outro lado, um relacionamento, digamos, de dez meses, pode levar um ano inteiro para passar pelas três fases de uma relação à distância.

As etapas

O começo de um relacionamento à distância é logo quando o casal se separa e não consegue largar do telefone ou do computador – isso é, do e-mail, do messenger, do skype – por um minuto sequer. Fazem questão de dividir cada detalhe do dia, desde a roupa que usaram e o que comeram no almoço, até conversas que tiveram e pensamentos aleatórios. Já o meio é quando um dos dois, geralmente o que está estudando, trabalhando, ou viajando no exterior, por exemplo, encontra cada vez menos tempo para conversar e dividir coisas do dia a dia. Isso gera ciúmes e insegurança no outro, que passa a racionalizar a falta de interesse do parceiro, mas que ao mesmo tempo tem receio de questionar suas ações. O fim é quando a comunicação do casal se resume em discussões.

Geralmente a pessoa que ficou, pressente o fim do relacionamento e exige que o outro dê o mesmo nível de atenção que dava logo que viajou, cobrando explicações sobre seu dia a dia, mostrando-se frustrada com a falta de interesse do outro, que por sua vez já não tem mais paciência para relatar cada novidade. A pessoa então desabafa, expressando seu desapontamento com o outro já que não foi capaz de “cumprir a promessa” de que não deixaria a distância acabar com o relacionamento. O que viajou, então, diz se sentir aprisionado e que precisa de espaço, e que “um tempo” separados faria bem aos dois.

Antes de mais nada, é preciso lembrar do fato de que relacionamentos, assim como tudo na vida, um dia chegam ao fim, mesmo se com a morte. Relacionamentos à distância, portanto, correm o risco de acabar assim como qualquer outro relacionamento tradicional. Nossa preocupação aqui é com a aparente predisposição e maior fragilidade dos relacionamentos à distância: por que a distância acaba com tantos relacionamentos? Quem é o culpado pelo término da relação? Há algo que possamos fazer para evitar que isso aconteça? Antes de responder a essas perguntas, uma palavrinha sobre relacionamentos em geral.

São muitas as frases clichés sobre relacionamentos. “O amor não consiste em olhar um para o outro, mas sim em olhar juntos para a mesma direção,” dizia Antoine de Saint-Exupéry. “O amor é composto de uma única alma habitando dois corpos,” dizia Aristóteles. O que essas e muitas outras frases têm em comum é que, de um modo ou de outro, tentam descrever a sintonia que existe entre duas pessoas em um relacionamento. Essa harmonia é cultivada ao longo do tempo conforme um passa a conhecer mais o outro através de conversas, de toques, de carinho, de beijos, do sexo. Num relacionamento se dividem as alegrias, as tristezas, as certezas, as incertezas, os momentos vividos rotineiramente. Enfim, num relacionamento se divide o dia a dia. Estudos mostram, inclusive, que devido à tamanha sintonia e harmonia dentre casais que estão juntos por muito tempo, cada vez menos eles precisam de palavras para se comunicar. Já que tantas foram as conversas, as experiências, e tantos os sentimentos divididos, na maioria das vezes um olhar apenas basta.

E a distância?

Como configura o relacionamento? Pra começar, quase todos os meios pelos quais se cultiva a sintonia com a outra pessoa são completamente eliminados, restando apenas as conversas. Nada de sexo, de beijo, de carinho, de toque. Há apenas palavras. Há também a questão do desenvolvimento pessoal, já que não há convivência no dia a dia, pelo menos não comparável a quando se está junto. Isso permite que cada um cresça de maneira individual perante as particularidades do seu dia a dia, e fique cada vez mais diferente um do outro. Todos esses fatores tornam mais difícil “olhar juntos para a mesma direção,” ou que “uma única alma habite dois corpos,” como dizem as frases clichés acima.

Pode se dizer então que é por isso que a distância acaba com tantos relacionamentos. Muitas das partes essenciais de uma relação são eliminadas bruscamente sem que o casal perceba a necessidade de substituir cada uma delas por aquilo que lhe resta: palavras. É necessário conversar muito mais e sobre muitas coisas, mais do que de costume. Há pouco espaço para interpretação de sentimentos, e quando algo incomoda, é necessário que seja discutido explicitamente. É preciso compreender também que o outro não deixa de ter sua própria vida, e continua tendo experiências que o permitem crescer. Como não se pode fazer parte da vida do outro da mesma maneira de quando se está junto, conversas sobre essas experiências são de extrema importância, para que de certa forma, o outro possa tê-las também.

Agora, o que não pode é confundir um relacionamento à distância e o direito de cada um de ter suas próprias experiências, com estar solteiro. Há uma linha tênue que divide as experiências que são saudáveis tanto para o indivíduo quanto para o casal daquelas que não devem ser toleradas em um relacionamento. Apenas a experiência do próprio casal com a distância pode diferenciar um tipo de experiência do outro.

E o sexo?

Por último, falar de sexo é essencial, afinal, conversamos com pessoas todos os dias, e muitas vezes dividimos intimidades com os amigos mais próximos. Falar de sexo é um lembrete de que aquela pessoa é mais do que um amigo ou uma amiga, além, claro, do fato de que sexo faz enorme falta numa relação, e conversando é possível amenizar os sintomas dessa falta.

Sem culpa

Mas quando a distância acaba com um relacionamento, de quem é a culpa? A resposta é simples: de ninguém. Como já disse, na maioria das vezes o aparente desinteresse e a iniciativa para terminar a relação vem da pessoa que foi para longe e não da que ficou. Isso não é à toa. Se a comunicação entre o casal não preencher o buraco deixado pela falta da convivência, a pessoa que viajou está mais sujeita a ser transformada pelas experiências que o dia a dia num novo país proporcionam do que aquela que ficou “para trás”. Isso não só porque a rotina da pessoa que ficou faz lembrar, de certa forma, o outro, já que são os mesmos lugares em que o casal conviveu, mas também porque a pessoa que viajou passa a enxergar novas possibilidades. Não se pode culpar nem quem ficou pela inabilidade de compreender o desenvolvimento pessoal do outro, nem quem viajou pelo seu desenvolvimento pessoal.

Portanto, preencher o vazio que a distância deixa com a comunicação, com palavras verdadeiras e atenciosas, é essencial para a sobrevivência de um relacionamento à distância. Algo que também ajuda e muito, apesar de não ser fundamental, é ter uma previsão do término da distância, seja ela de dias, meses ou anos, já que isso permite que o tempo longe seja encarado de uma maneira diferente, como algo provisório. Mas, de qualquer forma, caso a distância acabe com o seu relacionamento, não há porque sentir que fracassou diante de um teste, pois por mais “perfeito” que seja, não existe relacionamento imune à distância, embora muitos achem que sim.

Caso a sua relação venha a acabar, como diz Arnaldo Jabor, pode se dizer que o relacionamento “deu certo, só que acabou.” Acabou por causa da distância, apesar de ter sido, quando foi, um ótimo relacionamento.

Para encerrar, não podemos esquecer daquilo que a distância pode trazer de positivo para um relacionamento. Cada ano, cada mês, cada dia longe da pessoa amada revitaliza o amor, tornando um relacionamento que já não era novidade em algo emocionante novamente. Cada beijo que se dá após um tempo de separação, por exemplo, é de certa forma um novo primeiro beijo. Focar nesses e outros aspectos positivos permite que um casal vença as “estatísticas” e supere a distância.

Mas mesmo quando o relacionamento à distância tem um final feliz, ele não deixa de ser uma saga. A diferença é que, nesse caso, o meio dá continuidade ao começo, e o fim vem com o fim da distância, e não com o fim da própria relação.

* Dedico este post a Rebecca, minha parceira, não importa a distância…

Bruno é natural de Santo André (SP) e mora no Canadá desde 2007, onde estudou Filosofia e Criminologia na Universidade de Toronto até 2014. Mantém os blogs Enganos Mundanos e Conditioned Things.

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