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O olhar romântico do estrangeiro

Pensa que todos os seus problemas vão acabar depois que imigrar para o Canadá? A verdade é que, depois que se mudar, você provavelmente sentirá falta de tudo o que o Brasil tem de bom e perceberá que o Canadá não é aquele “paraíso” que imaginou. Mas não se preocupe, sentir-se assim é normal. Bruno Vompean explica o porquê.

Recentemente me deparei com a história de uma brasileira que foi viver na Suíça. Apesar de fictícia, a história é, na verdade, a história de qualquer brasileiro que decide viver no exterior.

Um relato em primeira pessoa, o texto era composto de supostos trechos do diário da brasileira, que era natural de Salvador. Como muitos brasileiros que vivem no exterior, a baiana resolveu deixar o calor de sua terra e viver em um país de “primeiro mundo” para escapar da violência, do tráfego, da poluição e da população “mal-educada.” Ou seja, para escapar da pobreza e do caos urbano que parecem ser inerentes às grandes cidades brasileiras.

Desde seus primeiros dias na Suíça, no mês de agosto, até a primeira nevasca, no início de dezembro, a baiana, apaixonada, descrevia alegremente tudo o que havia ao seu redor. Desde sua nova casa, um belo chalé situado no silêncio e na paz dos Alpes, até as folhas das árvores, que no outono passavam por todos os tons de cor entre o vermelho e o amarelo. “Isso é que é vida,” dizia. Repetia constantemente que a Suíça era o lugar mais bonito que já havia visto, que era maravilhoso ter as quatro estações ao invés do calor constante de sua terra natal. Contava de passeios pelos bosques da região, onde era possível ver cervos, os animais mais elegantes e vistosos que já vira. No inverno se encantava com a neve, pois tudo era coberto por uma linda camada branca, como se bolas de algodão tivessem sido espalhadas por todos os lados. Com tanta beleza e tranquilidade, a baiana não se conformava como podia ter sofrido por tanto tempo “naquele inferno que é Salvador,” pois a Suíça era mesmo um paraíso. “Isso sim é que é vida,” repetia.

Mas, um mês após a primeira nevasca, já no fim de dezembro, o tom dos relatos da baiana mudou completamente. Desabafou que, certo dia, mal limpou a neve da frente de sua casa e tudo já estava coberto de neve novamente. Irritava-se ainda mais quando snowplows jogavam a neve da rua sobre a entrada de sua casa, e chegou a arrumar confusão com os motoristas. Reclamava também do fato de não poder sair de casa, pois o carro estava sempre debaixo da neve que, em sua percepção, já não era mais linda e sim inconveniente. Ao invés de adjetivos românticos, a baiana passou a descrever sua realidade com palavras de baixo calão.

Passou a odiar os cervos que tanto admirava, pois se envolveu em um acidente de carro ao tentar desviar de um que transitava pela estrada. Alguns meses depois, resolveu vender seu carro – já enferrujado por causa do sal usado para derreter o gelo nas ruas – e seu “belo chalé” nos Alpes, pois estava determinada a sair daquele “fim de mundo frio e solitário” que era a Suíça. Ela finalmente retornaria para o calor de Salvador, sua cidade natal. Afinal, para ela, “aquilo sim é que era vida!”

E então – como diriam os anglófonos – sound familiar? Parece familiar? Pois é, se essa história não é, de uma maneira ou de outra, uma versão alterada de sua própria experiência morando no exterior, certamente é a história de alguém que você conhece. Mas por que tantos estrangeiros deixam de “amar” e passam a “odiar” seu novo país? A resposta para esta pergunta está no olhar romântico do estrangeiro.

Um imigrante é, na maioria das vezes, alguém desiludido com seu país de origem. Assim como a baiana que trocou Salvador pela Suíça, milhares de brasileiros imigram todos os anos para fugir da pobreza, da violência, do tráfego, da poluição e outras coisas mais. Na procura de melhor qualidade de vida, esses brasileiros buscam refúgio em países desenvolvidos, sacrificando, porém, tudo que o Brasil oferece de bom.

No entanto, isso geralmente não é problema para quem pensa em imigrar, já que a desilusão que resulta das dificuldades enfrentadas no dia a dia numa cidade brasileira faz com que os aspectos positivos da vida no Brasil sejam facilmente ignorados. A proximidade que se tem aos amigos e familiares e inúmeras outras características positivas e exclusivas à vida no Brasil são ofuscadas pelas dificuldades que são enfrentadas diariamente. É por isso que a baiana – assim como tantos outros brasileiros – considerava sua cidade natal um verdadeiro “inferno.”

Essa desilusão faz com que a pessoa passe também a idealizar lugares que sejam diferentes daquele em que ela se encontra. Quando se pensa numa metrópole como Toronto, por exemplo, se pensa apenas em aspectos positivos, pois a cidade é vista como uma fonte de oportunidades de trabalho e estudo, de segurança e de tranquilidade. Por não se pensar em características potencialmente negativas, a cidade, e o novo país como um todo, passam a ser considerados um verdadeiro “paraíso,” como o caso da baiana e seu olhar sobre a Suíça.

O processo de desilusão e idealização funciona sempre assim: a desilusão para criticar amargamente o presente e a idealização para exaltar e glorificar o futuro. Portanto, se, em certo ponto, a vida no Brasil faz parte do seu presente e a vida num país desenvolvido faz parte apenas de planos futuros, o resultado é este que foi descrito acima. Mas, se a vida no exterior é seu presente e o retorno ao Brasil existe apenas como uma futura possibilidade, o quadro é invertido. Passa-se a exaltar o Brasil e a criticar o lugar onde se vive.

O olhar romântico do imigrante é tão superficial quanto o olhar do turista. Num país desenvolvido, um turista brasileiro vê apenas carros de luxo, ruas organizadas, cordialidade por parte das pessoas, eletrônicos de última geração e roupas de marca em abundância. Já um turista “gringo” no litoral brasileiro vê apenas pessoas felizes, belas mulheres, belas praias, e uma maravilhosa e exótica culinária. Ambos turistas enxergam isso, principalmente, porque é justamente isso que eles estão procurando nos lugares por onde viajam. Não interessa ao turista brasileiro, por exemplo, notar moradores de rua, pois são comuns em sua cidade natal e eles não fazem parte de sua ideia de uma metrópole de um país desenvolvido. Já o segundo turista não vê a miséria em que vivem as milhares de pessoas nativas daquele paraíso tropical pois, simplesmente, não foi para isso que ele viajou.

É problemático sustentar esse olhar romântico quando não se está apenas viajando, mas se está vivendo num país. Isso porque o tempo expõe a verdadeira natureza do lugar, e o imigrante acaba se desiludindo quando percebe que sua nova cidade e seu novo país, na verdade, não correspondem àquilo que ele tinha criado em sua imaginação.

O imigrante passa a odiar o lugar que um dia ousou chamar de paraíso e, consequentemente, passa a idealizar sua cidade natal, que considerou ser um inferno e por isso teve a ideia de imigrar. Caso retorne para seu país de origem, como a baiana que resolveu regressar para Salvador, ele voltará, com o tempo, a se desiludir. Ele voltará a rotular sua cidade de inferno e buscará então um novo paraíso para viver. Para que esse ciclo seja interrompido e a pessoa possa finalmente ser feliz em um lugar, ela precisa mudar não de cidade, mas de olhar.

A verdade é que, infelizmente, não existe “paraíso.” Mas, felizmente, também não existe “inferno.” A simples solução para evitar decepções como a da baiana e de tantos outros imigrantes, é entender esse fato. Podemos ter preferências e assim gostar mais de um lugar do que de outro, mas isso não se refere à realidade, à natureza dos lugares.

Para a baiana, por exemplo, a neve era, no início, algo lindo que complementava a paisagem, mas que depois deixou de ser belo e passou a ser algo inconveniente. A partir do momento que se rotula algo de acordo com gosto e preferência, a pessoa se sujeita à decepção, pois gostos e preferências mudam com o tempo, assim como a percepção das coisas.

A verdade é que a neve não é nem linda, nem inconveniente. Ela é sim branca, gelada e pode acumular de tal maneira que torna difícil a locomoção. É importante aceitar isso, assim como a natureza de tudo ao seu redor, para que você possa se sentir satisfeito com o lugar onde você vive.

Enxergar e aceitar as coisas como elas são e não como se gostaria que elas fossem é o primeiro passo para uma vida feliz seja lá o lugar onde se vive. Viver dessa maneira é eliminar o olhar romântico e ter apenas um olhar: um olhar que não está imune à subjetividade mas que também não se prende a idealizações – um olhar que não decepciona quando a realidade não corresponde a falsos ideais.

Bruno é natural de Santo André (SP) e mora no Canadá desde 2007, onde estudou Filosofia e Criminologia na Universidade de Toronto até 2014. Mantém os blogs Enganos Mundanos e Conditioned Things.

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