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Uma viagem pelas Américas em duas rodas

Durante cinco meses o paulista Policarpo Jr. viajou do Brasil até o Canadá dirigindo uma moto. Foram 17 países, diversas culturas e uma experiência fantástica que lhe proporcionaram não só a oportunidade de presenciar paisagens fantásticas, mas também de rever conceitos.

Policarpo Jr. é um apaixonado por motocicletas e viagens. Tanto que criou um website especializado em Moto Turismo, o Rock Riders. Assim como a maioria dos motociclistas, sua paixão por motos surgiu em decorrência do seu espírito de liberdade e aventura.

Aos 24 anos, visando uma maior facilidade de locomoção no trânsito caótico de São Paulo, Policarpo comprou sua primeira motocicleta. Foi nessa época que ele conheceu um grupo de motociclistas que viajava com frequência para diversas cidades. Um deles teria lhe dito que já viajou de moto para vários continentes, o que despertou em Policarpo a curiosidade de fazer o mesmo.

Em 2009, já com 37 anos, Policarpo resolveu viajar de moto de São Paulo até o deserto do Atacama, no Chile, levando junto a namorada. Toda a experiência foi relatada por ele mesmo no seu site. Dois anos depois, o motociclista estava pronto para mais uma grande viagem, bem maior que a primeira. O objetivo era viajar as três Américas, dirigindo a sua moto Suzuki V-Strom, percorrendo mais de 41 mil quilômetros e 17 países pela costa do Pacífico (e desta vez, sem namorada). “Minha única companhia era um Pato Donald de pelúcia que as crianças do meu prédio me deram de presente”, brinca.

O início: “Desmistificando” a América Latina

Ironicamente, talvez a parte mais difícil da viagem feita por Policarpo Jr. tenha sido o começo dela, quando estava prestes a sair de São Paulo, no dia 15 de março desse ano. “Eu estava cheio de receios, com vários fantasmas na cabeça, afinal eu iria cruzar países da América do Sul, América Central e pensava na possibilidade de ser perigoso. Estava realmente preocupado”, afirmou.

Quando Policarpo, o mais velho dos três filhos da aposentada Nerah Canabrava, contou para a mãe que iria fazer uma viagem de moto pelas três Américas, ela se mostrou apreensiva. “A minha primeira reação foi de susto, fiquei indignada. Eu acabei aceitando porque era um projeto de vida dele, mas ficava preocupada quando ele demorava para dar notícias. Afinal de contas, é um caminho longo e uma viagem grande sempre tem seus riscos”, disse Nerah, que atualmente mora em Niagara-on-the Lake, no Canadá.

Como trabalha com internet, Policarpo decidiu criar um diário de viagem que atualizava diariamente no seu site durante o percurso que fazia, o que aliviou a preocupação de sua mãe e amigos. “Apesar de aventureiro, sou responsável. Com o diário de viagem, meus familiares e amigos puderam perceber que eu estava dirigindo devagarzinho, conhecendo diversos lugares e que estava sendo uma experiência muito boa para mim”, relatou.

Ao invés de seguir diretamente para o Alaska, Policarpo optou por viajar descendo até o Ushuaia, na Argentina, para posteriormente subir pela costa do Pacífico (o que deixou sua viagem cerca de 12 mil quilômetros mais longa).

Foi na América Latina que Policarpo conheceu alguns dos lugares mais bonitos do mundo, como Machu Picchu e diversos sítios arqueológicos no Peru; Bariloche, na Argentina; o sul do Chile e diversos vulcões. “Fiquei impressionado pela limpeza que vi nas praças públicas de diversos países, como na Bolívia por exemplo. Em algumas cidades, eu percebi que as pessoas eram muito pobres, mas as praças eram organizadíssimas, uma coisa cultural mesmo”, diz ele.

Antes de passar por esses países, Policarpo tinha uma imagem diferente da América Latina. “Por mais conhecimento teórico que você tenha com relação a um país, vivenciar aquilo muitas vezes faz você mudar os seus conceitos. Achamos que argentino não gosta de brasileiro, que a Colômbia é perigosa, que a Bolívia é um país miserável e que a América Central é um país sujo. Não vi nada disso na minha viagem”, conta Policarpo, que também enfatizou o quanto foi bem tratado nesses países. “Os bolivianos são fantásticos, na Colômbia alguns militares que me pararam queriam tirar foto, uma família colombiana me convidou para ficar na casa deles. Em diversos países presenciei uma super valorização da cultura local, como escutar muito mais música em espanhol do que em outra língua e até pessoas vestindo trajes típicos. Confesso que houve uma grande quebra de preconceitos da minha parte”, completou.

Solidariedade latina e contrastes das Américas

Diversos exemplos de solidariedade do povo latino se estenderam durante toda a viagem, como no Panamá, onde um senhor se aproximou para saber porque Policarpo parecia triste, ou a senhora peruana que mostrou-se comovida pelo fato dele não ter conseguido sacar dinheiro no cartão.

Quando estava prestes a chegar ao Ushuaia, o motociclista teve que dirigir em uma parte da estrada onde não é asfaltada. Foi exatamente nesse trecho que Policarpo caiu com sua moto e terminou sendo ajudado por um grupo de camponeses que viviam nas proximidades. “Eles eram muito pobres, mas mesmo assim me ofereceram casa, comida e perguntaram se eu precisava de algum dinheiro para abastecer minha moto”, retrata ele.

Policarpo afirmou que não teve nenhuma cidade por onde passou que não tenha gostado. Apesar de alguns desafios como o “vento patagônico” que enfrentou na Argentina, o pneu que furou no Peru e até a diarréia que teve depois de comer um macarrão ao molho de camarão no Equador, o motociclista afirma que só consegue lembrar dos momentos alegres, como cada vez que cruzava a fronteira de um país para o outro.

O contraste das Américas

“Quando entrei nos Estados Unidos e senti o quanto a economia e infraestrutura são diferentes das que existem nos países da América Latina, eu comecei a chorar. Hoje a reflexão que eu faço é que é realmente impressionante que o povo latino, apesar das dificuldades e da vida que alguns levam, seja completamente solidário, até ao ponto de ajudar um estranho”, disse Policarpo sobre sua chegada aos Estados Unidos.

Não há dúvidas que o espírito aventureiro e o alto astral do motociclista lhe beneficiaram muito. Mesmo a fiscalização rigorosa na fronteira do México com os Estados Unidos não foi motivo para estragar o seu bom-humor. “Os Estados Unidos têm muita coisa boa. É um país organizado, com uma boa infraestrutura. Não me admira que muita gente queira morar lá. Talvez os agentes americanos tenham que ser rigorosos mesmo”, afirmou.

Foi nos Estados Unidos que Policarpo comemorou seu aniversário de 39 anos, às margens do Grand Canyon. Foi lá também que ele conheceu a irreverência de Las Vegas e o trânsito complicado nas proximidades de Los Angeles.

Depois de percorrer parte dos Estados Unidos, Policarpo chegou ao Canadá pela Colúmbia Britânica. Além dela, percorreu diversas províncias, como Alberta, Saskatchewan e Ontário. “O Canadá é um país incrível, de povo educado. Os caminhoneiros chegaram a parar para que eu pudesse passar com a moto. É mesmo impressionante”, disse ele. “Quando dirigia pelas estradas do país, percebi o quanto o fluxo de carro é pequeno. No norte do Canadá, eram só eu e os ursos”, brinca.

Depois de mais de 145 dias na estrada, Policarpo chegou finalmente a Toronto. Os prédios e a grandiosidade de suas avenidas foram logo percebidas pelo motociclista, além da grande diversidade cultural da cidade.

Depois da “missão cumprida” do filho, Nerah Canabrava, mãe de Policarpo, não escondeu o orgulho que sente. “Meu filho certamente não é uma pessoa comum. É um lutador, um homem que sonha e vai atrás desse sonho. Isso só me dá motivo para ficar orgulhosa e feliz por ele ter chegado bem”.

No final da entrevista ao OiCanadá, Policarpo fez um pedido: “Eu não quero que vocês me coloquem como um herói. Sou apenas um defensor da viagem por terra, seja ela de moto, de carro, de ônibus ou até a pé. É dessa forma que realmente conhecemos a realidade de cada lugar e as suas diferenças”.

Curiosidades

  • Policarpo Jr. percorreu 17 países em cerca de 145 dias. Foram mais de 41.500km rodados com a sua moto Suzuki V-Strom.
  • A motocicleta foi comprada em 2011. No Brasil, o preço dela é estimado em C$20 mil. No Canadá, o mesmo modelo é vendido por C$8 mil.
  • Segundo Policarpo, depois da viagem sua motocicleta perdeu de 30% a 40% de seu valor inicial. No entanto, ela ainda tem a capacidade de rodar muito mais.
  • O motociclista gastou menos de C$20 mil durante toda a viagem.
  • De acordo com Policarpo, 50% do que conheceu na viagem foi através da sugestão de pessoas que encontrava no caminho. Os outros 50% foi pesquisa pela internet.
  • O site Rock Riders, do qual Policarpo é dono, possuía uma média de 900 visitas por dia. Depois que passou a publicar o diário falando sobre seu dia-a-dia viajando as três Américas, esse número ultrapassou 2 mil visitas por dia.
  • Em 99% dos casos, Policarpo dormia em motéis, hotéis e albergues. Segundo ele, alguns hotéis do Peru ofereciam diárias de até 10 dólares.
  • Policarpo deve ficar no Canadá com sua mãe até março. Depois disso, ele ainda não sabe se vai para a Europa com sua motocicleta ou se volta com ela para o Brasil, percorrendo dessa vez a costa do Atlântico.
  • Países percorridos por Policarpo Jr. na viagem às três Américas: Brasil, Uruguai Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, El Salvador, Honduras, Guatemala, México, Estados Unidos e Canadá.

Galeria

Vídeos

Bem vindo ao Canadá

http://youtu.be/IC0Lwg4FKio/

Praia no Canadá

Estradas no Canadá

Chegando em Toronto

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Marcio Rollemberg é pernambucano e formado em jornalismo. Foi editor-chefe de um telejornal universitário, produziu documentários e trabalhou como repórter de TV no Brasil. Em 2005 mudou-se para Toronto e atualmente é um dos colaboradores de uma revista e de um canal de TV. Em 2011 juntou-se a equipe do OiCanadá, onde escreve matérias sobre Turismo e Variedades.

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