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Experiência

Uma história de “achados e perdidos”

Eu tento ao máximo ser uma pessoa desapegada, principalmente de bens materiais, e fui testada na semana passada quando peguei um ônibus para fazer uma filmagem. Já havia escurecido e eu confesso que estava um pouco desligada, conversando com Rodrigo, meu amigo e assistente de câmera, sobre os detalhes do vídeo. Lembro que senti que o celular não estava seguro da forma que coloquei no bolso de trás da calça. Mas, mesmo assim, não liguei.

Desci do ônibus e fui em direção à plataforma do metrô, quando rapidamente passo a mão nos meus bolsos da calça e casaco, e nada do celular. Corri pela escada rolante já ouvindo o barulho do “pi pi pi”, que é quando os motoristas sobem a parte da frente do ônibus para seguirem o caminho. E quando chego na parte de cima, o ônibus já estava andando, corri para o outro lado para pegá-lo antes de sair da estação. Alcancei-o e desesperadamente comecei a bater na porta do motorista, que nem olhava para mim, mostrando apenas o dedinho para um lado e para o outro dizendo que “não”. E eu gritava: “Senhor, eu não quero subir, meu celular, meu celular está dentro do ônibus. Senhor, meu celular!”, e ele só com o dedinho… Eu queria me jogar na frente do ônibus e não deixá-lo sair, levar embora meu celular, meu minicomputador. Minha vida móvel estava dentro do ônibus e eu iria perdê-la. “Não!”, eu gritei. Mas ele acelerou, me deixando batendo na porta em vão, por achar que eu era apenas uma passageira querendo entrar, erroneamente, no ônibus que já havia partido da estação.

Parei e não acreditei. “E agora?”, pensei. Mais uma vez passei a mão nos bolsos. E, frustrada, desci para plataforma mais uma vez e peguei o metrô. Assim que cheguei na estação desejada, falei com o empregado da TTC pedindo que ele entrasse em contato com o motorista do ônibus, aquele “querido amigo” (para não chamá-lo por outro nome), e avisasse que o meu telefone estava lá.

Mas não é assim que as coisas funcionam, e ele não pôde fazer nada a não ser me dar um papel com o contato do TTC Lost Articles Office, e sugerir que eu ligasse nos próximos dois dias. E que, claro, eu tentasse ligar para o meu celular, afirmando que muitos são devolvidos após contato do dono.

“Como foi que eu não pensei nisso?”, pensei. Peguei o celular de Rodrigo e comecei a ligar sem parar. Na terceira tentativa, lembrei que meu telefone estava para vibrar, isso para dificultar a tarefa do meu “anjo da guarda”, que precisaria ouvir a chamada para poder atender o celular.

Como a vida não pode parar, fui fazer a filmagem, e cada pessoa que ouvia a minha história pegava o telefone e tentava me ligar. Fiquei impressionada com a mobilização das pessoas para ajudar alguém a achar o telefone, mesmo dizendo: “É um iPhone? Xiiiiii…”. Era como se elas entendessem a minha perda e se identificassem. É como perder uma carteira com todos os documentos, senhas, fotos, cartões. Mas todas as inúmeras tentativas de contato com iPhone foram em vão. Ou só chamava e ninguém atendia, ou ficava fora de área.

Me sentindo nua, voltei para casa com um sentimento de perda. E por isso lembrei que precisava me desapegar das coisas materiais da vida. Eu havia perdido um simples telefone, o que acontecia com todo mundo, e aquele simpático motorista que nem olhou para a minha cara não tinha culpa de nada.

Os dias foram passando e eu ligando para o meu celular. Até que, no terceiro dia, eu liguei para o TTC e um funcionário disse que não estava lá. Na hora, eu, já incrédula, perguntei se ele achava que ainda havia chance do telefone aparecer, ou se eu deveria desencanar e comprar logo outro. Ele, com firmeza (e para minha surpresa), falou para eu esperar mais três dias e ligar de novo. E que, depois disso, eu poderia esquecer que um dia eu tive um celular que quase não tinha backup dos meus contatos, artigos, fotos e vídeos.

Com uma esperança remota, liguei para operadora, bloqueei meu telefone, mudei todas as minhas senhas (skype, facebook, itunes, email pessoal, email do OiCanadá…), e passei a viver como antigamente. Livre. Saindo sem ninguém me achar, ficando em casa sem ninguém poder falar comigo. Eu é quem tinha que ligar para as pessoas, senão elas não falavam comigo, só conseguiriam por email, o que é completamente diferente. Eu havia me livrado do vício de olhar o celular e email a cada segundo.

O três dias passaram e eu já estava certa de que iria comprar um celular novo, pois as pessoas estavam me mandando emails já um pouco desaforados, afinal eu não atendia o telefone e nem respondia às mensagens de texto. Nisso, já havia passado uma semana.

Sem nenhuma motivação, liguei mais uma vez para o TTC Lost Articles Office. Desta vez, uma  mulher atendeu, muito simpática, também como o último rapaz, e foi tentar achar o meu telefone. Dois minutos depois ela volta dizendo que tinha um iPhone lá sim, mas que estava com código de segurança. E eu falei: “Sim, o meu tem código”. E foi quando ela perguntou: “Qual o código?”. E com um impulso empolgado, eu falei “####”. Só me lembro de ter escutado: “Guess what?”. “Ahhhhh”, eu gritei. Não estava acreditando…

Desligando o telefone, fui alegre para a Bay Station, onde fica o TTC Lost Articles Office. Ao chegar, falei com um funcionário da estação, que apontou uma porta amarela. Bati na porta e entrei. Havia duas pessoas na minha frente. Uma estudante procurando um livro e uma senhora, um guarda-chuva. Quando chegou a minha vez, só precisei dar meu nome, pois o telefone já estava separado para mim.

Ao pegar meu iPhone, feliz da vida, quis ligá-lo mas, ao colocar a senha, errei. Rs. E o meu amado telefone travou na mesma hora, permitindo que eu o usasse só uma hora depois. Mas, o que era uma hora para tanta felicidade? Sim, ainda existe muita gente boa nesse mundo. Ainda bem.

O TTC Lost Articles Office fica na Bay Station e recebe consultas pelo telefone (416)393-4100, de segunda à sexta, das 12pm às 5pm, e pessoalmente, de segunda à sexta, das 8am às 5pm.

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Martha se formou em Jornalismo em Recife e veio para Toronto em 2006 para estudar Cinema, se formando pela Toronto Film School. Tornou-se cidadã canadense em 2014.

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