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Valor da gorjeta gera polêmica em Ontário

Dar gorjeta faz parte da cultura canadense. O que alguns não sabem é qual o valor mínimo que deve ser deixado para o garçom. O famoso “tip”, como é conhecido no Canadá, tem gerado uma grande polêmica nos últimos meses em Ontário. Diversos estabelecimentos estudam a possibilidade de cobrar do cliente um valor mínimo de 20% do total da conta para a gratificação dos funcionários.

A gorjeta dada nos restaurantes de Ontário não é obrigatória. Serve na verdade como uma forma de agradecimento pelo bom serviço. O salário de quem trabalha como garçom na província costuma ser $8.90 por hora em um restaurante com licença para vender bebidas alcoólicas (um valor abaixo do salário mínimo porque eles recebem gorjeta) e $10.25 em estabelecimentos não licenciados. O valor é considerado baixo para o custo de vida local. Por isso, as gorjetas servem como um grande estímulo para gente como a garçonete Katie Reid, que há 15 anos trabalha em restaurantes. “Tem dias que eu levo para casa 500 dólares só de tips. Em uma noite ruim, recebo pelo menos 100 dólares de gorjeta”, diz ela.

Katie teve a sorte de encontrar um emprego como garçonete em uma churrascaria tradicional de Toronto, onde o preço de um jantar para duas pessoas gira em torno de $200. “Ao contrário do que muitos pensam, o segredo de fazer um bom dinheiro não está na venda da comida, e sim das bebidas. Tem menina aqui que consegue uma fortuna só servindo vinhos caros e aperitivos”, confessa ela. “Se for bonita e tiver o peitão, leva ainda mais vantagem”.

A garçonete Paola Pérez concorda que geralmente os mais bonitos ganham gorjetas mais altas, assim como acha que as mulheres levam vantagem em relação aos homens. “Em um bar esportivo por exemplo, é até covardia comparar a gorjeta das meninas com a dos rapazes”, diz ela.

Quem dá mais

O estereótipo do bom pagador de gorjeta já virou discussão em diversos sites na internet. Um deles ganhou destaque: o The Stained Apron (o avental manchado em inglês), criado pela ex-garçonete americana Kim Stahler, que conversou com o OiCanadá sobre o sistema de tips nos Estados Unidos (bastante parecido com o do Canadá).

“Reconhecer quem dá boas gorjetas é algo delicado porque trata-se de estereótipos, e nem sempre tudo é verdade. Porém, a maioria do garçons concordam em alguns aspectos. Eu tenho visto que geralmente gays e lésbicas são bons clientes, talvez porque muitos trabalham nessa indústria. Nova-iorquinos também são generosos, assim como motociclistas, que aliás dão excelentes tips”, observa Stahler. “Já grupo de mulheres geralmente não costuma dar boas gorjetas”.

Katie concorda com a criadora do site e admite que suas amigas geralmente não dão boa gorjetas. “Eu sou uma exceção”, afirma a garçonete em tom de brincadeira. “Mas eu também acrescentaria nessa lista a mãe que janta com os filhos desacompanhada do marido, turistas e alguns imigrantes”.

Tip pode variar de acordo com a cultura de cada indivíduo

É claro que a tradição de dar ou não a caixinha muda de acordo com a cultura de cada país. No Japão, por exemplo, é inadmissível deixar alguma gratificação para o garçom, que até se sente ofendido com a oferta. Já em alguns países da Europa, trabalhar servindo mesa muitas vezes é visto como uma carreira brilhante, que geralmente vem acompanhada de um bom salário e sem a necessidade de gorjetas.

No Brasil, sabe-se que os 10% vem incluído na conta, mas o que muita gente não faz ideia é que em alguns restaurantes o patrão se apossa do chapéu alheio e fica com essa quantia para aumentar os lucros. A polêmica é tanta que já gerou greve dos garçons em São Paulo e até uma CPI (que acabou em pizza). Existem três projetos de leis tramitando no congresso para regularizar as gratificações para os funcionários de restaurantes brasileiros e quase 17 mil processos em todo o país.

Muitos brasileiros em Toronto, alguns deles por não saberem como funciona o sistema da caixinha no Canadá, dão de gorjeta 10% do total da conta ou até mesmo não incluem nenhuma gratificação. Esse é, alias, um dos motivos que fazem com que muitos turistas e imigrantes vindos do Brasil e de outros países sejam vistos como “mau pagadores de gorjeta”. Quem bem sabe disso é a mineira Izabela Miranda, que trabalha em um restaurante brasileiro em Toronto. “Brasileiro está acostumado com os 10% e se esquece que o costume aqui no Canadá é 15% do valor da conta. Não é uma questão de preconceito, mas se a gente vê um cliente brasileiro e o outro canadense chegando no restaurante ao mesmo tempo, a gente sabe quem vai dar uma melhor gorjeta”, diz ela.

Qual o valor ideal da gorjeta?

Na verdade não existe nenhuma lei em Ontário que estipule um valor mínimo para a gratificação. Um estudo feito pelo Bank of Montreal Mastercard em 2007 constatou que 78% dos canadenses dão gorjeta, mas menos de 40% deles costuma deixar um valor igual ou superior a 15% do total da conta para garçons, taxistas, ou profissionais de estética.

O salário anual de um garçom incluindo a gorjeta varia, mas há uma estimativa de que seja de $40 mil a $50 mil por ano em um bom restaurante de Toronto. Porém, em muitos estabelecimentos ele tem que dividir  uma pequena parcela do tip com bartender e funcionários da cozinha. Ou seja, caso receba um valor inferior a uma certa quantia, o garçom tem que tirar do seu próprio bolso para pagar aos colegas.

“Eu não acho que garçons ganham o suficiente em Toronto sem a gorjeta”, diz a filipina Cindy Candelaria, uma grande frequentadora de restaurantes. “Eu sempre procuro dar pelo menos 15%, acho que é um valor justo”.

A estudante argentina Valeria Lopillato, também cliente de vários restaurantes e bares em Toronto, é contra dar gorjeta. “Todas as vezes que vou comer fora me pergunto se o valor da gorjeta que eu dei foi o suficiente, e essa é uma sensação que me incomoda. Eu não deveria me sentir responsável pelo salário do garçom. Esse é um dever do restaurante. “.

Em 2010 um projeto de lei para adicionar automaticamente 18% de gratificação na conta dos clientes. Apesar de não ter dado em nada, recentemente um número crescente de restaurantes tem sugerido aos consumidores que paguem 20% de gorjeta. Em alguns estabelecimentos, máquinas de cartão de crédito indicam as opções de tips superiores a 15%.

E se o serviço prestado pelo garçom não for um dos melhores, é possível dispensar a caixinha? De acordo com Kim Stahler, a culpa de um mau atendimento é geralmente da gerência. “Eu não concordo que o garçom deva ser punido com o não recebimento da gorjeta. Caso ele não seja um bom profissional, é culpa do restaurante que o contratou. É preciso que os donos desses estabelecimentos prestem atenção nos seus funcionários”, enfatiza ela.

Kim Stahler, que criou o site há cerca de 15 anos com o objetivo de desabafar sobre as dificuldades enfrentadas pelos garçons no dia-a-dia (incluindo lidar com clientes que não deixam boas gorjetas), recebeu emails de diversos funcionários de restaurantes que se sentiram maltratados e resolveram dividir a sua história. Algumas delas são bastante cômicas, e incluem relatos de vingança nada usuais, publicadas em uma seção somente para isso. “Já ouvi histórias terríveis. Eu particularmente jamais mexeria com alguém que tem acesso à minha comida”, confessa Stahler.

foto: Cali2Okie (April)

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Marcio Rollemberg é pernambucano e formado em jornalismo. Foi editor-chefe de um telejornal universitário, produziu documentários e trabalhou como repórter de TV no Brasil. Em 2005 mudou-se para Toronto e atualmente é um dos colaboradores de uma revista e de um canal de TV. Em 2011 juntou-se a equipe do OiCanadá, onde escreve matérias sobre Turismo e Variedades.

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