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Cineasta canadense agredido pela polícia no Rio de Janeiro fala sobre seus documentários

Jason O’Hara, pós-graduado em Mídia Documental pela Ryerson University, trabalha em seu segundo documentário sobre questões político-sociais no Rio de Janeiro. Após seu primeiro média-metragem sobre as Unidades de Polícia Pacificadora ser selecionado para o Festival do Rio, o cineasta voltou ao Brasil durante a Copa do Mundo. No dia da final entre Alemanha e Argentina, Jason foi agredido por policiais enquanto filmava uma manifestação. De volta à Toronto, O’Hara comenta seus filmes e experiências.

A história de Jason com o Brasil começa em 2006, quando participou do projeto “Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana”, uma parceria de 4 anos entre o Ministério das Cidades do Brasil, e a British Columbia University (apoiada pela Agência de Desenvolvimento Internacional Canadense). Nesse período, O’Hara viveu nas cidades de Recife e Belo Horizonte, onde trabalhou com comunidades carentes em projetos de fotografia participativa. “Foi nesse período que me apaixonei pelo Brasil”, conta.

Durante essa vivência, Jason se surpreendeu com as discussões negativas em torno dos grandes eventos a serem sediados no Brasil e no Rio de Janeiro. Uma vez no Canadá, estudou a história dos sistemas de governo brasileiros, e concluiu que o país se encontraria, de fato, em situação especialmente frágil, por ser uma democracia emergente de recente ditadura. Foi então que decidiu se instalar no Rio de Janeiro para acompanhar de perto o desdobramento desses eventos.

Rhythms of Resistance” (Ritmos de Resistência), selecionado para o Festival do Rio de 2013, explora a ação das Unidades de Polícia Pacificadora, tanto pelo ponto de vista de um capitão da UPP, quanto por depoimentos de moradores da favela que têm na música sua forma de expressão. “Todos eles tiveram experiências extremamente pessoais com a UPP, e isso se mostra em suas composições, que transmitem de forma direta o que está em seus corações”, comenta Jason.

O questionamento da ação policial é tema já explorado por O’Hara no Canadá. Seu primeiro documentário de expressão, “Demur”, retrata os protestos durante a semana da reunião de cúpula do G-20 em Toronto, onde foi implementada lei marcial, suspendendo liberdades fundamentais dos cidadãos.

Porém, o cineasta deixa claro que não foi este o ponto de partida, “Tanto o meu trabalho em Toronto como no Brasil não surgiu por interesse pela ação policial; em ambos os casos, meu foco era nos movimentos sociais que, por sua vez, acabavam entrando em confronto com a policia”, diz Jason. “Meu objetivo era documentar a mensagem que as pessoas estavam levando às ruas durante o G-20; eu não imaginei que acabaria sendo uma meditação sobre opressão policial, mas foi o que se tornou por refletir o que aconteceu nas ruas de Toronto”, complementa. O evento, de fato, levou o Ombudsman de Ontário, Andre Marin, a declarar que foi esse o maior comprometimento de liberdades civis na história do país, e que nunca deverá se repetir.

“Rhythms of Resistance” foi concluído com data limite, como parte do mestrado de Jason na Ryerson University. O cineasta trabalha em um projeto maior: seu próximo documentário, “State of Exception” (Estado de Exceção). Este novo trabalho retrata despejos de populações de baixa renda ocasionados pela realização da passada Copa do Mundo e das Olimpíadas de 2016. “Como esses eventos têm data marcada, pressões internacionais não permitem atrasos por conta de processos legais, e isso resulta em uma série de exceções legais que levam a abusos de direitos humanos”, comenta Jason sobre o tema abordado.

O’Hara vê na polícia militar do Rio de Janeiro muitos resquícios da ditadura, em que o papel da polícia era proteger o estado, muitas vezes de seus próprios cidadãos; dissidentes políticos, chamados então de “inimigos internos”. “Qualquer um que tentasse vocalizar suas vontades de uma sociedade diferente era silenciado à força pela polícia, e hoje nós vemos o legado desse modelo”, diz Jason.

Na final da Copa do Mundo, O’Hara estava na Praça Saens Peña, onde ocorria a concentração dos manifestantes. “Nesse dia não tinha muito espaço para protesto… não andaram nem 100 metros para encontrar a reação da polícia com bombas de gás […] Depois de 10 minutos, quando as pessoas foram dispersadas, as ruas que levavam à praça estavam todas bloqueadas, infringindo o direito de ir e vir”. Após uma hora sem conseguir deixar a praça, Jason relata estar com um grupo de 50 pessoas, entre eles jornalistas, quando uma nova ação da polícia levou à confusão generalizada, “Eu estava com uma câmera na mão, e uma GoPro no capacete. Meu cartão estava cheio, então encostei em uma parede a fim de me proteger enquanto trocava-o por um novo. Foi quando policiais militares passaram por mim, e um deles me golpeou com seu cassetete, o que motivou os outros a fazerem o mesmo, e também me chutarem. Um deles arrancou minha GoPro com as mãos e a levou com ele. Depois disso, um último policial chutou meu rosto – esse momento foi o único filmado”.

Jason foi prontamente atendido por médicos presentes no local que trataram uma fratura exposta em sua perna, e o encaminharam ao hospital. “Quando recebi alta, à noite, descobri toda a reação da mídia… e o consulado canadense no Rio de Janeiro me aconselhou a fazer um boletim de ocorrência (risos), que decidi não fazer”.

Jason não se surpreendeu com o ocorrido, comentando que agressões como essa aconteciam frequentemente nos protestos, e que sabia que estava exposto a esse tipo de ação da polícia.

Sobre sua experiência como cineasta no Brasil, Jason revela que em momento algum se sentiu ameaçado por carregar equipamentos de filmagem ou ter clara aparência de estrangeiro. “Eu durmo no chão da casa de diferentes amigos… sou visto… tenho uma presença na comunidade”, conta. “Também acho que me veem como um aliado, pois eu sou um ativista; eu não distorço nenhuma informação, ou induzo a conclusões que não tenham fundamento, mas eu tenho um ponto de vista”, revela Jason, comentando sobre sua relação com os entrevistados, “Eu os considero colaboradores […] consulto com eles se a história que eu estou contando realmente reflete a realidade que eles vivem”.

Jason finaliza dizendo que gostaria de ver mais honestidade nas reportagens brasileiras, em específico as que abordam a desigualdade social; e que espera que o Rio de Janeiro se torne um dia, de fato, uma “Cidade Maravilhosa” em todos os sentidos.

“State of Exception” deve ser finalizado em 2016.

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Leonardo Tenan é jornalista, formado pelo Sheridan College, já tendo trabalhado para a TV Globo Internacional, TIFF Toronto International Film Festival, e tendo seu atual projeto de documentário aceito no Hot Docs Doc Accelerator program. Há 3 anos é produtor do BRAFFTV Festival de Filmes Brasileiros em Toronto.

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