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Saudade: uma reflexão

Apesar de nos servir de incentivo enquanto na medida certa, saudade em demasia pode deteriorar nosso bem-estar ao ponto de ser prejudicial à saúde, principalmente a mental. O que fazer, então, para amenizar a saudade daquilo que está longe?

A pergunta que não quer calar: como se diz “saudade” em inglês? A maioria diz missing, alguns dizem nostalgia, outros longing e até yearning. O próprio OiCanadá já arriscou uma explicação. O número de tentativas para traduzir essa palavra é resultado da inabilidade de cada uma em reproduzir todo o sentimento que há na palavra “saudade.”

Há quem diga que sentir falta é o mesmo que sentir saudade, e que portanto, essas traduções são sim adequadas. Eu não poderia discordar mais. Na minha opinião, dizer isso é dizer que sentir saudade do Brasil, por exemplo, é como sentir falta do controle remoto que, quando quebra, nos faz levantar do sofá para trocar de canal.

“Saudade,” palavra tão presente na poesia e música da língua portuguesa, é certamente mais do que isso. Canções da Bossa Nova como “Chega de saudade” de Tom Jobim e Vinícius de Morais, eternizada no violão e na voz de João Gilberto, falam mais do que a simples percepção de que algo falta. Elas procuram, embora muitas vezes em vão, descrever a sensação de alienação e absurdidade que se sofre quando se sente saudade.

Aliás, se diz “saudade” ou “saudades?” Aparentemente, “saudade” é formal e “saudades” informal. Talvez alguém, ao notar que a palavra no singular não fazia jus ao sentimento, a colocou no plural. Afinal, o que é esse sentimento que nos faz crescer ao mesmo tempo que tira de nós? Seja lá o que for, poucos sentem saudade como alguém que troca seu lar – seja seu lar uma casa, uma cidade, ou uma nação – por outro tão distante e diferente, assim como por exemplo, brasileiros que vivem no Canadá.

Sentimos saudade de tudo: da família, dos amigos, da culinária, da música, do interior, do litoral e até do português no dia a dia. Na organização das metrópoles de países desenvolvidos, sentimos saudade do caos urbano das grandes cidades brasileiras. Ocasionalmente sentimos também falta de algumas coisas: do beijo no rosto, dos vinte centavos que podem ficar pro dia seguinte na padaria, e da famosa saideira, a cerveja “por conta da casa.” Mas, diferentemente dessa falta ocasional, a saudade é constante.

Apesar de nos servir de incentivo enquanto na medida certa, demasiada saudade pode deteriorar nosso bem-estar ao ponto de ser prejudicial à saúde, principalmente a mental. Ela pode causar, entre outras coisas, estresse, depressão e falta de apetite. O que fazer, então, para amenizar a saudade? O importante é ser razoável.

Entenda. Quanto mais tempo passamos longe do Brasil, mais idealizamos as características típicas do nosso país. Se idealiza tanto que, na verdade, o objeto da saudade (nesse caso o Brasil), não é mais objeto de fato e sim uma figura da nossa imaginação, criada por inteira pela saudade.

Torna-se fácil ignorar o que há de positivo ao nosso redor e focamos então nas características negativas do lugar onde estamos. Desprezamos a cultura, o clima, a solitude, e até o idioma no dia a dia – ironicamente, tudo aquilo que nos levou a imigrar e de que um dia sentiremos falta. Refletir sobre esse sentimento nos permite apreciar mais uma vez as coisas do nosso dia a dia no exterior. E a saudade? Ela permanece, mas de forma racional, nos alimentando para que possamos seguir em frente e cumprir nossas metas. Para que o tempo longe de tudo e de todos possa valer realmente a pena.

Mas como pode a palavra “saudade” não ter tradução? Tem de haver alguma, afinal, “gringo” também sente saudade, não sente? Uns diriam que não – pelo menos não da mesma forma como quem tem a palavra “saudade” no vocabulário. No entanto, talvez seja mais correto dizer que o “gringo” sente sim saudade como quem fala português, só que a falta de uma palavra “saudade” no vocabulário torna difícil a expressão diante desse sentimento nostálgico.

Uma evidência de que “gringo” sente saudade é sua expressão homesick (que ao pé da letra seria “sentir falta de casa”) – outra popular versão usada por muitos para traduzir saudade. Se passam muito tempo longe de casa, longe dos amigos e dos familiares, anglófonos dizem ter uma sensação de homesickness, uma sensação ruim consequente da distância. Isso mostra que embora a palavra “saudade” seja única, o sentimento de saudade não é.

Além de refletir para que possamos ser razoáveis perante a saudade, há algo que podemos fazer para, como costumamos dizer, matá-la? Minha resposta a essa pergunta é outra pergunta: gostaríamos, realmente, de matar a saudade? Carlos Drummond de Andrade já dizia que “a melhor Medicina contra a saudade é a falta de memória”. Pra mim é o guaraná, a bossa nova, o skype, e a certeza de que um dia retornarei ao Brasil.

Essa reflexão eu dedico aos brasileiros que, apesar da saudade, lutam por suas metas no exterior, e a tudo e a todos que instigam em mim esse sentimento de saudade: this nostalgic feeling of longing and yearning.

Vibrações  positivas!

Bruno é natural de Santo André (SP) e mora no Canadá desde 2007, onde estudou Filosofia e Criminologia na Universidade de Toronto até 2014. Mantém os blogs Enganos Mundanos e Conditioned Things.

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