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A sopa étnica

Uma breve reflexão sobre o multiculturalismo no Brasil e no Canadá

Certa tarde estava andando na Bloor Street e me deparei com uma manifestação contra a repressão política chinesa no Tibete. Centenas de indivíduos, homens e mulheres, adultos e crianças, gritavam energeticamente frases de protesto contra a presença da turma de Hu Jintao na terra de Dalai Lama. A primeira dúvida que me ocorreu foi: “será que são todos tibetanos?”. Ou seriam todos simpatizantes da causa tibetana? Alguns carregavam bandeiras canadenses… No final, concluí que a maioria dos presentes devia, sim, ser tibetana. Chegando em casa, fiz uma breve pesquisa na internet e descobri que, de fato, existe uma pequena comunidade de tibetanos em Toronto.

Esse acontecimento foi impactante para mim e gerou várias reflexões. Uma pergunta, em especial, ressoou constantemente em minha cabeça: “qual é o grupo étnico que não estaria presente em Toronto?”. Já sabemos da abertura do Canadá para a imigração e da imagem do país como um lugar receptivo a estrangeiros. Já tinha visto aqui vários protestos de outros grupos étnicos, presentes em número bem maior na cidade. Porém, ver um grupo tão pequeno se unir por uma causa tão específica, acontecendo do outro lado do mundo, foi algo que me fez perceber a dimensão do multiculturalismo canadense.

Iranianos sempre se unem, e manifestações contra o regime islâmico são bastante comuns. Os tamis, do Sri Lanka, também volta e meia estão por aí agitando as ruas.  Os próprios chineses, presentes em massa no Canadá, também já organizaram as suas passeatas pró-China. Protestos nas ruas de Toronto são extremamente freqüentes. Eu mesmo participei, em 2008, de uma manifestação estudantil contra o aumento dos custos universitários na província de Ontário. Houve até o Protest Against Protests, um evento justamente para ironizar os protestos, onde manifestantes defendiam ideais como a proteção dos direitos dos dinossauros. É claro que nenhum desses protestos tem uma dimensão comparável aos que ocorreram nos anos 60, mas ainda assim eles chamam a atenção. Em contraste, não me lembro de nenhuma manifestação étnica (ou de protestos, em geral) durante os 12 anos em que morei no Brasil. Será que Toronto tem algum fator especial que favorece a realização dessas passeatas ou haveria alguma outra explicação?

Essa dúvida me fez lembrar uma conversa que tive no final do ano passado, quando estava de férias no Brasil, com o antropólogo George Zarur, professor visitante em Harvard há alguns anos atrás. Lembro-me da opinião dele de que o multiculturalismo canadense e norte-americano não foi bem sucedido. Segundo ele, não teria havido uma verdadeira integração entre as diversas culturas presentes na América do Norte; o que existe é, no máximo, uma convivência pacífica e um respeito mútuo. O Brasil sim, na visão dele, era um exemplo bem sucedido de integração, onde todos os povos se tornaram apenas um. O Brasil seria uma sopa de legumes batida no liquidificador; o Canadá seria uma sopa de legumes onde cenoura, a abobrinha e o chuchu ainda estão boiando separados no caldo. O que eu quero dizer com isso é que a existência de protestos de grupos étnicos talvez seja uma forma desses grupos reafirmarem as suas identidades, já que não conseguem buscar uma nova identidade devido à ausência de uma cultura principal dominante que consiga integrá-los. Isso, aliás, é uma das questões centrais da antropologia canadense: existe uma cultura canadense? O que une o Canadá como país?

Não estou dizendo que o Brasil seja melhor do que o Canadá. Afinal, podemos gostar tanto da sopa batida no liquidificador quanto da sopa com os legumes ainda inteiros. Eu pessoalmente gosto muito dos dois países e acho que o Canadá, sendo um mosaico de grupos étnicos distintos, oferece uma oportunidade interessante de conhecer culturas diferentes e, ao mesmo tempo, de refletir, à distância e com mais clareza, sobre a própria cultura brasileira que carregamos dentro de nós. Percebi isso quando fundamos o Brazilians United in Canada (BRAZUCA), o primeiro grupo estudantil oficial de cultura brasileira na Universidade de Toronto. Se estivéssemos no Brasil, provavelmente não estaríamos tão engajados na promoção e divulgação da cultura brasileira da mesma forma que estamos agora.

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Adam, 21, é estudante de filosofia e sociologia na Universidade de Toronto. Natural de São Bernardo do Campo (SP), Adam morou durante a infância e a adolescência na Suíca, na China, nos Estados Unidos e no Brasil. É co-fundador e co-presidente do grupo estudantil Brazilians United in Canada (BRAZUCA), cujo objetivo é difundir a cultura brasileira e integrá-la a outras culturas em sua universidade.

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