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Garçons com deficiência visual servem jantar no escuro

Jantar em um ambiente totalmente escuro, ao ponto de não enxergar “um palmo diante do nariz” pode ser mais divertido do que se pensa. É essa a experiência que o restaurante O’Noir pretende passar para os seus clientes, que terminam aguçando os outros sentidos.

Toronto é conhecida por sua grande variedade gastronômica. Afinal de contas, é uma das cidades mais cosmopolitas do mundo. Mas o grande diferencial do O’Noir, que está completando na próxima segunda-feira (24/06) o seu terceiro aniversário, não está propriamente na comida servida no restaurante, mas no fato de que o cliente pode ter uma percepção de como é a vida sem poder enxergar.

A ideia não é original. Restaurantes desse tipo já existem em diversas partes do mundo, como o Blind Ku em Zurich, o Cologne em Berlim, o Dans le Noir em Londres e o Opaque em São Francisco e Los Angeles. No Canadá, o O’Noir foi aberto pelos empresários Ian Martinez e Moe Alameddine em Montreal, e posteriormente em Toronto, no subsolo do Town Inn Suites, próximo à esquina da Church e Wellesley.

Ao entrar no estabelecimento, o cliente se depara inicialmente com um espaço iluminado, onde funciona uma espécie de lounge, com um bar construído na década de 70 e uma decoração interessante, mesclada com assentos confortáveis e um painel mostrando o alfabeto Braille.

É nesse ambiente que o cliente faz o seu pedido. O cardápio não traz muitas opções. Entre os pratos principais estão file mignon (servido como batatas e legumes), frango (acompanhado de molho de tomate, batatas e legumes) e camarão (com risotto de tomate seco). Para deixar a experiência ainda mais divertida e interessante, optei por pedir o prato surpresa, onde o cliente nunca sabe o que é servido.

Em seguida, fui apresentado a nossa garçonete, Tracey, uma moça de óculos escuros, bastante simpática. Para trabalhar como garçom no O’Noir, é preciso ser deficiente visual. A contratação é feita em parceria com o Canadian National Institute for the Blind, criando oportunidades de emprego para dezenas de pessoas. Só nessa unidade de Toronto estão empregados onze funcionários com deficiência visual.

Tracey informa que os celulares devem ser desligados para evitar qualquer contato com a luz. Ela pede para que eu coloque minha mão no seu ombro direito, e me guia para o espaço onde é feita a refeição, totalmente escuro, fazendo com que o cliente entre no mundo dos garçons e se torne totalmente dependente deles para se locomoverem.

A experiência de comer no escuro

“Você está sentindo a cadeira com a sua mão?”, pergunta Tracey. Após me acomodar, ela explica que o garfo está a minha direita, a faca à esquerda, logo à frente existe um guardanapo e um prato com manteiga. Em seguida, ela se retira par ir buscar a minha bebida.

O OiCanadá esteve no O’Noir em uma quinta-feira, e era impossível decifrar quantos clientes existiam no local. Porém, era inevitável escutar a conversa das mesas vizinhas, assim como não prestar atenção em qualquer tipo de barulho, desde a abertura de uma porta até o som dos talheres. Impressionante como nossa audição fica sensível, ao mesmo tempo em que imaginamos como é fisicamente cada pessoa que escutamos.

Depois de alguns minutos, Tracey traz a bebida e pão. O tato desempenha função importante nessa hora. Graças a ele é possível perceber o tamanho do copo, a temperatura do pão, além de tomar um cuidado extra para não derrubar a bebida.

Enfim, chega o prato surpresa. Na primeiras garfadas, sinto o gosto dos legumes. Brócolis, batata, cenoura. Pelo jeito, eles me trouxeram comida vegetariana. Pelo menos não foi algo exótico, como alguma carne com sabor estranho. Mas depois de alguns minutos saboreando minha refeição, percebo que tem carne sim, e é de boi. Ela veio fatiada, provavelmente para facilitar o meu “desempenho”. Tem uma consistência macia, parece ter sido assada no ponto, com um sabor bastante agradável.

Em seguida vem a sobremesa (também pedimos para que fosse surpresa). Foi fácil saber o que era. Sorvete de baunilha. Mas só depois da terceira garfada eu fui perceber que veio acompanhado de torta de maçã, servida morna, na temperatura certa. O que até agora eu não sei é se eu deixei sobrar algo, mas me empenhei para comer tudinho, apesar de ter ficado um pouco encabulado com o barulho do garfo batendo no prato em busca de mais comida.

No final, Tracey pergunta se estou satisfeito e me guia de volta para o lounge. É lá que o cliente paga a conta, diretamente com o bartender (que não é deficiente visual). O preço custa $39 para a refeição completa (entrada, prato principal e sobremesa) ou $ 32 para dois pratos (entrada e prato principal ou prato principal e sobremesa).

O O’Noir não é o tipo de restaurante que alguém vai com frequência e também não serve a melhor comida de Toronto, mas a experiência é inesquecível. É impossível não se colocar no lugar de um deficiente visual e imaginar como é a sua rotina. Dizem que comemos com os olhos, mas depois de fazer uma refeição no escuro total, percebemos que é muito melhor quando prestamos atenção nos outros sentidos.

Serviço

  • O que: O’Noir
  • Quando: Jantares são geralmente servidos em dois horários. De terça a sexta-feira: 5:45pm e 8:30pm. Sábado: 5:45pm e 8:45pm. Domingo e segunda-feira, das 5:45pm até as 7:15pm. É preciso fazer reserva através do telefone 416-922-6647.
  • Onde: 620 Church Street
  • Quanto: Em torno de $60, inclui refeição completa, bebida, gorjeta e imposto.

Marcio Rollemberg é pernambucano e formado em jornalismo. Foi editor-chefe de um telejornal universitário, produziu documentários e trabalhou como repórter de TV no Brasil. Em 2005 mudou-se para Toronto e atualmente é um dos colaboradores de uma revista e de um canal de TV. Em 2011 juntou-se a equipe do OiCanadá, onde escreve matérias sobre Turismo e Variedades.

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