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Experiência

Quando o Brasil fica para trás

Em pouco mais de um mês fará dez anos que eu me mudei de São Paulo para Toronto. Ainda me lembro da sensação, em 2007, que vinha com a incerteza da rotina em um país estrangeiro. Apesar da ansiedade pelas experiências que eu sabia estavam por vir, mal sabia eu que ainda levaria anos, mais de apenas alguns, para que eu realmente deixasse o Brasil para trás.

Mas, como assim, deixar o Brasil para trás? Que tipo de monstro é você? Primeiramente, vale esclarecer que eu não me refiro a nenhum tipo de abandono moral ou emocional ou algo do tipo, muito menos quero dizer deixar de se importar com tudo e com todos que ficaram no Brasil. Aqui me refiro apenas à compreensão de um fato: A partir do momento em que eu aterrissei no Canadá, o Brasil havia, de fato, ficado para trás, passando então a fazer parte da minha vida apenas em memória, como parte do passado.

O filósofo medieval Santo Agostinho, inclusive, explicara que apenas o presente existe de fato: O passado se refere ao que já não existe mais; o futuro ao que ainda há de existir.

Certo, mas a gente sabe de coisas do passado e até mesmo do futuro, o que não seria possível se eles não existissem. Logo, o passado e o futuro existem, sim!

Confesso, o passado e o futuro existem. No entanto, Agostinho explica que o passado existe apenas no presente como memória, assim como o futuro também existe apenas no presente como expectativa. E se eles existem apenas no presente, é justamente do presente que eles fazem parte, e não do passado e/ou do futuro como costumamos imaginar!

“Pode-se dizer, assim, que meço o tempo em minha própria mente. Não devo permitir à minha mente insistir que o tempo é algo objetivo. Não devo permitir que meus preconceitos e noções preconcebidas derrotem essa ideia. Definitivamente, meço o tempo em minha mente.”1 Hoje, depois de quase dez anos de saudades do Brasil, entendo serem sábias as palavras de Agostinho.

Isso porque a saudade, apesar de útil e às vezes agradável, acaba nos debilitando, limitando as nossas possibilidades. Eu, por exemplo, até o 4º ano mantive um aplicativo no notebook que me dizia diariamente o tempo que fazia em São Paulo, apesar disso nada me dizer da necessidade ou não d’eu levar um guarda-chuva ao sair do meu apartamento em Toronto. Já passei pela saga de um relacionamento à distância (aliás, pela saga de dois, rs. Haja coração!), e gastei mais com passagens ao Brasil do que deveria num só ano. Até o 5º ano, jurava que só levaria a sério relacionamentos com brasileiras, o que não significa que eu dispensava outras nacionalidades até porque eu sou brasileiro e também filho de Deus!

E que motivo tinha eu para fazer diferente? Como imigrante, já trabalhei em restaurante sem querer, passei invernos inteiros calçando All Star (também até o 5º ano), me aproximei de brasileiros que não tinham nada a ver comigo (até o 3º ano), e até assinei a Globo Internacional (te juro, apesar de que isso só foi até o 8º mês).

Mas viver assim é viver apenas em memória, como vive quem não tem verdadeiros motivos para viver. E a verdade é que, infelizmente, muitas vezes nos faltam bons motivos para viver, o que me traz a outro ponto que aprendi tanto com a filosofia quanto a imigração: Muitas vezes precisamos inventar nossos próprios motivos.

Amizades, se for para dizer a verdade, não tinha nem lá, nem cá. Afinal, será possível manter amizades da maneira que gostaríamos, de fazer parte da forma que precisaríamos, quando se está a 8,000 km de casa? Será possível fazer novas amizades e se sentir em casa em um novo país quando se passa todo o tempo no Brasil, digo, com a cabeça no Brasil?

É preciso encontrar nas forças que vêm de dentro a motivação necessária para manter vivo o projeto da busca à qualidade de vida. O imigrante, ainda mais que o viajante, precisa construir o seu próprio lar, buscando sempre enxergar além do olhar romântico do estrangeiro, já que este, não se engane, tem curto prazo de validade.

Se eu, por exemplo, não tivesse lutado para me desapegar do Brasil que ficou para trás – entenda, lutado é a palavra certa –, teria sequer terminado (ou continuado) meus estudos, muito menos viajado para lugares outros além dos brasileiros. Não teria morado em um centro de retiro budista na Cordilheira do Pacífico, nem namorado canadense, colombiana, japonesa, coreana, polonesa, africana. Muito menos teria hoje um trabalho gratificante que me permite trabalhar com estudantes refugiados, provenientes de países de guerra, ou uma parceira russa-israelense com quem aprendi que a imigração dói em todos que imigram, inclusive naqueles cujos vocabulários nativos carecem da palavra saudade.

Aliás, isso me lembra de outro filósofo, desta vez um alemão, que dizia que “imaginar um idioma é imaginar uma forma de vida,”2 o que nos lembra do maior e melhor motivo que se pode ter para imigrar, certamente o motivo que me (nos?) trouxe até aqui: Não só o de aprender um novo idioma, mas sim o de aprender uma nova forma de viver vida.

“Às nossas vitórias e conquistas, algumas breves derrotas.”

“Vibrações positivas.”


1Confissões, Livro XI, cap.27
2Wittgenstein, Investigações Filosóficas, § 19

Bruno é natural de Santo André (SP) e mora no Canadá desde 2007, onde estudou Filosofia e Criminologia na Universidade de Toronto até 2014. Mantém os blogs Enganos Mundanos e Conditioned Things.

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