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O Canadá como alternativa para fugir da homofobia

No ano em que o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu, em decisão unânime, a equiparação da união homossexual à heterossexual (o que, na prática, viabiliza para os homossexuais direitos como pensão, herança e adoção), um cenário paralelo desponta como um grande motivo de preocupação: a violência contra homossexuais no Brasil.

Um relatório divulgado em abril deste ano pelo GGB (Grupo Gay da Bahia) revela que 260 gays, travestis e lésbicas foram assassinados no Brasil no ano passado, um crescimento de 31,3% em relação ao mesmo período de 2009 (198 mortes violentas). Em relação aos últimos cinco anos, o aumento é ainda muito maior: 113%. Ainda de acordo com o relatório, por faixa etária, 46% das vítimas tinham menos de 30 anos: 43% foram assassinados a tiros, 27% com golpes de faca, 18% foram espancados ou apedrejados e 12%, sufocados ou enforcados.

Os dados, além de alarmantes, colocam o Brasil em uma posição nada confortável: o país está no topo do ranking mundial em número de assassinatos contra membros da comunidade LGBT (gays, lésbicas, bissexuais e transexuais). Confesso que não sei como é feita essa comparação, nem faço ideia se o ranking inclui apenas os países de regime democrático. Não sei como os demais países controlam essas estatísticas. De qualquer forma, a quantidade de assassinatos no Brasil, por si só, já é suficientemente preocupante.

Como consequência direta da violência homofóbica, seja ela física ou moral, muitos brasileiros estão cada vez mais temerosos de assumir publicamente sua orientação sexual. Essa violência tende a vir por parte da sociedade ou mesmo dentro da própria família.

Nos últimos cinco anos tem-se observado que o medo e a intolerância estão levando homossexuais a recorrerem a uma via alternativa de proteção: a imigração para o Canadá tem surgido como uma forma de fugir do preconceito e viver em liberdade e segurança.

Aqui percebem-se pelo menos dois problemas: esse movimento fortalece a afirmação do Brasil como país intolerante à diversidade sexual (apesar dos recentes avanços jurídicos conquistados); e a perda de brasileiros bem qualificados profissionalmente, que deixam o Brasil rumo ao Canadá.

O Canadá é referência na proteção dos direitos humanos e na afirmação da diversidade sexual. Foi um dos pioneiros a reconhecer o casamento gay, em 2005, seguindo o exemplo da Holanda (2001) e da Bélgica (2003). Recebe cerca de 250 mil imigrantes por ano – é o país desenvolvido que mais acolhe estrangeiros – e atualmente tem uma política federal de incentivo à imigração para trabalhadores qualificados.

A seleção dos candidatos é feita com base no somatório de critérios como a qualificação profissional (quanto mais títulos e experiências de trabalho relevantes, melhor) e a idade (quanto mais jovem, melhor), além de outros aspectos (domínio dos idiomas inglês e/ou francês, boa capacidade de adaptação, etc). Portanto, em geral, o brasileiro que adota o Canadá como residência (por meio do processo de imigracao skilled worker) tem, no mínimo, curso superior, e é jovem (de 26 a 35 anos). A maioria tem bons empregos no Brasil, salários competitivos e boa perspectiva de crescimento em sua área de formação.

Esta é apenas uma tentativa de traçar um perfil de quem seriam essas pessoas que rumam para o Canadá para fugir da homofobia em terras brasileiras. Não há dados oficiais, mas esse grupo existe, é numeroso e pouco conhecido devido à dificuldade de ser quantificado. É bem provável que muita gente também se mude para outros países da Europa pelo mesmo motivo, mas o Canadá aparece em posição de destaque por manter atualmente uma política de estímulo à imigração e por atrair muitos brasileiros.

Esse grupo de que falo tem as mesmas características de qualquer outra pessoa que se candidate ao processo de imigração canadense, homossexuais ou não. Querem se mudar para um país de primeiro mundo, com uma economia estável e boas chances de emprego. A diferença é que, além disso tudo, a ida para o Canadá também possibilita a eles a chance de “sair do armário” sem medo de ser julgado e ainda contar com a proteção integral do Estado. Ou seja, quando se candidatam ao processo imigratório, essas pessoas não alegam estarem imigrando para fugir da homofobia, mas essa razão está implícita “no pacote”.

O governo canadense não saberia informar com precisão quantos imigrantes dentre os selecionados no processo de skilled workers são membros da comunidade LGBT, já que a orientação sexual dos candidatos não é informada no formulário. As informações de que disponho baseiam-se em dados empíricos, fruto de minha experiência pessoal in loco e de entrevistas feitas com imigrantes brasileiros.

Durante o período que morei no Canadá (2008 – 2010) convivi com muitos deles, tanto na cidade de Toronto como em Montreal, e pude perceber a relação de causa e efeito entre homofobia x imigração. Nenhum deles havia chegado a sofrer alguma agressão física no Brasil e dentre as razões (implícitas) que os fizeram imigrar para o Canadá estavam a rejeição (total ou parcial) da própria família e ainda a vergonha/medo de se assumir homossexual no Brasil.

Por fim, tal cenário nos revela ainda um terceiro problema: ao que tudo parece, a emigração de homossexuais brasileiros para o Canadá, apesar de ser eficaz para quem opta por esse caminho (pois na sociedade canadense os brasileiros conquistam – parcial ou totalmente – a aceitação e o respeito que buscam), não impacta em nada os números da violência homofóbica no Brasil. Isso porque, via de regra, o perfil do imigrante é bem diferente do perfil do brasileiro que é mais vulnerável a esse tipo de crime, o qual, segundo o GGB, é mais comum entre a parcela mais desfavorecida da população (baixa escolaridade e baixo poder aquisitivo).

Para que o Canadá deixe de ser encarado por muitos como uma via de escape, o Estado brasileiro tem, portanto, alguns desafios pela frente: investir em políticas de afirmação da cidadania e de respeito aos direitos humanos, além de punir os responsáveis por crimes homofóbicos.

No entanto, como se sabe que mudanças desse tipo, quando implementadas, levam um longo prazo para surtirem efeito, é provável que nos próximos anos um grande número de brasileiros deixe o país em busca de respeito, sossego e proteção em terras canadenses.

Julieta é curiosa, subjetiva e prolixa. É também contraditória o suficiente para admirar o que é simples. Não perde a oportunidade de puxar uma boa prosa, seja na fila do supermercado ou durante uma viagem de avião. Antes de tudo, se interessa por pessoas e pela origem das coisas. Desde os sete anos, quando seu pai comprou uma câmera vídeo, sonha em ser jornalista. O sonho a levou à Universidade Federal de Pernambuco, onde a recifense se formou em Jornalismo. Das brincadeiras com a câmera do pai, veio a paixão pelas telas e pela linguagem audiovisual. Começou na TV Universitária de Pernambuco, passou pela TV Alepe, TV Asa Branca (Caruaru/PE), TV Cultura e TV Globo Nordeste. Em 2008 se mudou para o Canadá, onde juntou sua experiência em televisão com a liberdade da internet. No OiCanadá, Julieta faz o que mais gosta e melhor sabe fazer: contar histórias.

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