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A mala amarela

Aqui em Toronto é comum encontrarmos coisas na rua, em frente das casas. O pessoal aqui tem por hábito, deixar coisas boas à disposição dos passantes. Se você acabou de se acomodar na cidade, dê uma olhada ao redor, os jardins do seu bairro podem guardar grandes surpresas, além de ajudar na economia doméstica que não é nada leve para o recém-chegado.

Verão é momento de mudança, vemos pessoas chegando na cidade outras indo embora, pequenos caminhões carregados de móveis, tudo é movimento, tudo é para fora. Nas calçadas, nessa época do ano, é comum encontrar objetos ‘abandonados’. Quando não funciona mais, o objeto é posto no lixo, quando ainda pode ser aproveitado por alguém – seja porque você mudou e não quer levar, seja porque pretende comprar um novo – é de costume largar na calçada. Às vezes, até bilhetinhos do ex-proprietário encontramos informando que o objeto está em pleno funcionamento. Enjoy!

Já encontrei criado-mudo (que pintei de branco), um ventilador funcionando lindamente e outros móveis leves que só não carreguei nos braços porque já tinha comprado um novo exemplar na Ikea. Um pecado! Acontece de encontrarmos sofás novos, mesa de jantar, poltrona fofa, estante. O duro é conseguir carregar todo aquele peso sozinho. Muito se encontra numa simples caminhada. Dentre tudo que vi, o mais romântico e secreto dos achados foi uma mala amarela, à moda antiga.

Encontrei essa mala amarela aqui perto de casa, num jardim, abandonada. Gosto da sensação que uma mala antiga provoca, não resisti. Por onde ela teria andado? Quantos sonhos carregou de um lado para o outro, atravessando mares e montanhas? Ela estava um pouco suja, mofada e trancada. Os fabricantes levam a sério esse negócio de tranca de mala. Tentei mil combinações numéricas e não consegui achar o segredo. Usei um segredinho chamado força e abri na marra mesmo.

Depois limpei e fiquei olhando pra ela por um tempo, pensando no que ela se tornaria. Pensei em pôr livros, guardar coisas, mas nesse caso ela teria uma utilidade previsível e ninguém gosta de ter um final previsível.

Acabou se tornando um jardim, uma pequena horta de temperinhos também. Acho que ela se sentiu confortável em abrigar plantinhas. Eu queria, na verdade, transformar minha sacada em área verde, plantar um jardim todo ali, mas o verão tá acabando mês que vem e logo virá o frio e a neve, então, só na próxima primavera.

Isso não é de todo mau, a mala dentro de casa serve pra lembrar de todas as possibilidades que ainda temos de nos mover no mundo, negando fronteiras. A mala amarela transformada num jardim reforça o sentimento de travessia e o que resta dela é sempre aquilo que cultivamos, não importa onde estamos, nem por quanto tempo iremos permanecer nesse lugar.

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Eliana Rigol é uma inquieta faceira nascida no sul do mundo. É autora do livro "Moscas no Labirinto" e cotidianamente deixa as ideias fluírem num blog que mantém há muitos anos. Advogada por formação, adotou a fotografia e a escrita como formas de tornar a vida mais leve. Migrou para Toronto em 2010, se tornou mãe da Luna, já rodou o mundo e voltou. Acredita no vento, no coração e no movimento.

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