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A selvageria das gangues torontonianas

Apesar de Toronto ser uma das cidades mais seguras do mundo para se viver, as gangues formadas por jovens são responsáveis por alguns crimes que envolvem inclusive o homicídio e o tráfico de drogas. O OiCanadá traça um perfil dos grupos de crime organizado na cidade.

Em dezembro de 2009, Kenneth Mark, de 30 anos, tinha comprado comida em um de seus restaurantes prediletos, e caminhava em direção ao trabalho usando o seu fone de ouvido, quando foi assassinado com um tiro na cabeça. Conhecido na vizinhança pela sua simpatia, excelente empregado e homem de poucas palavras, Mark costumava contribuir com a polícia sobre casos de violência envolvendo as gangues no bairro em que morava, situado na zona oeste da cidade.

Mark já tinha sido baleado nas costas em uma outra ocasião. Ele afirmou às autoridades que Lamar Skeete (também conhecido como Ammo e integrante de uma gangue) teria sido o autor do disparo, mas por ausência de provas, o caso foi arquivado- dias antes dele ter sido assassinado. Skeete é o principal suspeito da morte do rapaz e está sendo julgado pelo crime.

Segundo um relatório da polícia, estima-se que no Canadá existam mais de 430 gangues, formadas por cerca de sete mil integrantes, sendo metade deles menores de 18 anos. Ontário é a província com maior índice de grupos de crime organizado, seguido de Saskatchewan e Colúmbia Britânica. Os membros de gangues costumam ser alvos de grandes níveis de desigualdade social, usuários de drogas, e boa parte deles já se envolveram com crimes ou algum tipo de violência, antes mesmo de se tornar integrante do grupo.

O estudo também mostra que são vários os motivos que levam um jovem a fazer parte de uma gangue. Entre eles estão a procura por fortes emoções, proteção, prestígio, chance de ganhar dinheiro ou sentir-se acolhido. “Muitos desses jovens foram vítimas da falta de uma estrutura familiar e diversos deles sofreram violência e abuso quando crianças. Grande parte tem uma baixa estima muito grande, e termina encontrando na gangue uma forma de se auto afirmar”, explica a psicóloga brasileira Paula Lessa, que trabalhou alguns anos no Canadá.

É difícil indicar quais os bairros que possuem maior concentração de gangues, já que elas têm se espalhado por toda a cidade. Em dezembro de 2005, a estudante Jane Creba, de 15 anos, foi atingida por uma bala perdida perto do Eaton Centre, no centro da cidade, quando havia uma disputa entre grupos rivais. Em setembro de 2007, Dineskhumar Murugiah, um ano mais velho que Jane, foi esfaqueado em Scarborough, vítima de um grupo de represálias contra os tâmeis (povo dravidiano que habitam o Sri Lanka).

Uma pesquisa feita pelo Criminal Intelligence Service Canada (CISC), uma organização responsável por relatórios e troca de informações sobre crimes cometidos no Canadá, mostra que os problemas das gangues no Canadá vêm se expandindo. Além de grandes centros urbanos, como Toronto e Vancouver, os grupos de crime organizado têm migrado para diversas comunidades menores e zonas rurais. O perfil das gangues também têm mudado, sendo agora diversas delas compostas por homens na faixa etária dos vinte e trinta anos. A maior parte das atividades ilícitas exercidas por eles está relacionada ao tráfico de drogas e prostituição, mas também inclui furtos, tráfico de armas e fraudes.

Jovens refugiados e imigrantes também são atraídos pelas gangues

Uma outra característica de grupos de crime organizado no Canadá são aqueles formados por jovens imigrantes ou refugiados, vindos principalmente da África, América Central e Ásia. Esse é o tema da tese de doutorado do assistente social Hieu Van Ngo, da Universidade de Calgary, que retrata os motivos pelo qual esses jovens têm sido atraídos por gangues e as táticas necessárias para a prevenção de novos casos.

Segundo Ngo, uma das principais causas que levam jovens refugiados ou imigrantes a fazerem parte de gangues é o sentimento de discriminação. “Nós aprendemos que os jovens que se envolvem com esses grupos possuem uma identidade fraca. Eles têm problemas com a família, na escola e nas comunidades”, diz o doutorando. “Muitos sofreram discriminação e nunca se sentiram aceitos, o que leva a um bloqueio social e os deixam vulneráveis a se juntar a gangues que, assim como ele, é formada por indivíduos que não se sentem conectados com a sociedade”.

A psicóloga Paula Lessa concorda com Ngo e afirma que muitas vezes o problema é trazido do próprio país de origem. “Existem refugiados no Canadá que já presenciaram cenas horríveis de violência e desrespeito aos direitos humanos nos países em que nasceram e viveram a maior parte de suas vidas. São situações com que muitas vezes o ser-humano não consegue lidar. Com a dificuldade na língua enfrentada por muitos deles no Canadá, além do preconceito em decorrência da sua origem, esses jovens encontram em gangues uma espécie de ‘porto seguro’. Para continuar sendo ‘aceito’ pelo grupo, ele terminam fazendo exatamente o que lhe é mandado, como a venda de drogas e brigas com gangues adversárias”, observa.

O que fazer para evitar o problema

Muitas vezes, pessoas que presenciam algum tipo de violência ou crime cometido por gangues sofrem ameaça do grupo, que teme ser denunciado para a polícia. Balas de revólver deixadas na porta da casa das testemunhas, cartas e tiros pela janela são algumas das táticas usadas pelos integrantes de gangues em Toronto e em outras cidades do Canadá. É possível que esse tenha sido o motivo que tirou a vida de Kenneth Mark, sobre quem falamos no início da reportagem. O código de silêncio, como é conhecido, é seguido à risca por muitos indivíduos, o que dificulta o trabalho das autoridades.

Ngo ressalta que um jovem não começa a fazer parte de uma gangue da noite para o dia, mas que as escolas têm grande responsabilidade na educação desses adolescentes. “As escolas sabem como lidar com jovens que se comportam bem, mas é muito difícil lidar com quem tem problemas. Eles são frequentemente punidos. Muitas escolas em todo o país não oferecem cursos de inglês como segunda língua, por exemplo”, aponta ele, se referindo a casos como um dos jovens que cita em sua tese, que não falava bem inglês e ia muito mal na escola, sendo expulso eventualmente depois de ter cometido um ato violento.

De acordo com Paula Lessa, a melhor forma de evitar que jovens façam parte de gangues é através de um trabalho intenso de prevenção. “É algo que deve começar nas escolas, onde os riscos para o adolescente e sua família devem ser mostrados. Além disso, é preciso que o governo crie programas de trabalho para jovens para que esses adolescentes se sintam úteis, mas é importante também que haja uma campanha de conscientização nas comunidades onde há um maior índice de gangues”, orienta ela.

Paula explica que, apesar das gangues cometerem diversos crimes, Toronto é uma cidade segura. “Esses grupos causam diversos problemas para a polícia, mas os assassinatos e brigas que se envolvem geralmente são com outras gangues. Por isso é importante que os pais procurem sempre alertar os filhos sobre as más amizades, e principalmente terem a certeza de que eles possuem uma boa auto-estima”, aconselha.

foto: PinkMoose

Marcio Rollemberg é pernambucano e formado em jornalismo. Foi editor-chefe de um telejornal universitário, produziu documentários e trabalhou como repórter de TV no Brasil. Em 2005 mudou-se para Toronto e atualmente é um dos colaboradores de uma revista e de um canal de TV. Em 2011 juntou-se a equipe do OiCanadá, onde escreve matérias sobre Turismo e Variedades.

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