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Cinema: Jesus de Montreal
Mais um excelente filme do renomado diretor/escritor canadense Denys Arcand (The Decline of the American Empire – 1986, The Barbarian Invasions – 2003. E pelo seu currículo, você já pode esperar um resultado extremante crítico contra tudo, contra todos.
A obra se passa em Montreal mostrando um grupo de cinco atores de teatro alternativo que tem a missão dada por um padre de recriar a clássica encenação da Paixão de Cristo, mas, dessa vez, em uma versão mais moderna e renovada. O resultado, como esperado, foi um sucesso de crítica e público, porém um fracasso de aceitação entre os chefões da igreja católica.
The Good
O filme é brilhante na intenção de fazer um paralelo da vida de Jesus e do ator que o interpreta. Quanto mais você conhecer a Bíblia, mais irá entender tantas referências. Esse artigo lista alguns desses paralelos.
Tirando a parte crítica contra a igreja, Denys Arcand também aponta sua metralhadora para a relação maléfica da arte com o consumismo. Atores que vendem seus nomes em leilões, críticos de arte bajuladores que só pensam no “IBOPE”, a redução da mulher em mero objeto de desejo etc. Como eu disse, é um filme extremamente crítico. Se eu revê-lo amanhã, acharei outros alvos que não tinha percebido.
A atuação de Lothaire Bluteau é de se aplaudir. Teatral quando Jesus e natural quando Daniel. Se isso fosse fácil fazer, os outros quatro também conseguiriam, o que não foi o caso. Uma pena ver que sua carreira hoje se limita a filmes pequenos e série de TV.
Mas a estrela do filme é mesmo seu texto. Denys Arcand é um excelente roteirista que consegue prender nossa atenção sem a necessidade de botar na tela muitas coisas interessantes. O filme trabalha para o texto e não o contrário.
The Bad
Se você pensou: “Se é para ver um filme pelo texto é melhor ler um livro”, sim, faz algum sentido no caso de filmes realmente chatos de se ver. É o que eu penso de algumas peças que já fui com um ator sentado numa cadeira por 2h recitando um texto… Mas não foi o caso de Jesus de Montreal. Ainda assim, as partes teatrais são cansativas de ver e normalmente o “culpado” é o diretor que não foi capaz de deixar tais momentos mais interessantes. Um exemplo de filme que mostrou uma encenação de teatro (William Shakespeare) de forma extremamente criativa foi o italiano Cesare deve morire (2012) — César Deve Morrer. Se você gosta do estilo, vale a pena conferir.
The Prolix
Uma das cenas que me chamou muita atenção no filme foi na hora que Daniel foi para um hospital católico em Montreal. Não perdia em nada para os piores hospitais superlotados do SUS no Brasil. Denys Arcand em Barbarian Invasions também mostrou uma visão horrorosa do sistema de saúde de lá. Eu nunca fui atendido em Montreal mas posso dizer que, baseado no que escuto de amigos, não é “tão ruim assim”. É bom dizer isso para os que ainda estão no Brasil e usam esse tipo de filme como referência para avaliar a cidade onde irá morar. Seria feito algum gringo desistir de morar no Rio após ver Cidade de Deus e Tropa de Elite. O cinema tende à intensificar o lado bom e ruim do local de interesse. No caso desse filme, uma explicação do motivo do hospital católico ser tão ruim e praticamente recusar um paciente grave pode ser apenas uma referência aos católicos que não botam em prática suas obrigações bíblicas. Denys é um “católico não-praticante” que cresceu em uma família super católica. É fácil ver em seus filmes a descrença que ele tem da instituição.
Descrença tal que Quebec também compartilha (generalizando) e teve origem na época da Revolution Tranquille. Mas isso já falei muito em: Mon oncle Antoine (1971) Meu Tio Antoine.
Enfim…
Um filme que continua atual e ainda melhora com passar do tempo. Certamente entrou na minha pequena lista de: “filmes que verei novamente em breve”